Artigo técnico do dia: A agricultura brasileira contribuirá para a paz mundial?

A agricultura brasileira contribuirá para a paz mundial?

Pedro Abel Vieira[1], Antônio Marcio Buainain[2], Danielle Torres[3], Elisio Contini[4].

 

Durante a ultima Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em 25 de Setembro passado, os 193 Estados-Membros adotaram formalmente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O documento Transformando Nosso Mundo, composto por 17 objetivos e 169 metas, foi apresentado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, como uma “promessa dos líderes para a sociedade mundial, [...] uma agenda para acabar com a pobreza em todas as suas formas, uma agenda para o planeta ”. Pode soar apenas como mais um conjunto de boas intensões, porem, os discursos do papa Francisco e do presidente Barack Obama dos (EUA), emprestam maior credibilidade às promessas.

Para o Papa, qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade e a destruição do meio ambiente e a ambição ilimitada do poder estão interligados gerando a exclusão que caracteriza a nossa sociedade. Nesse caso, cabe aos governos garantir o mínimo para que as famílias possam viver dignamente, e esse mínimo significa casa, trabalho, água, alimentação, liberdade e educação, entre outros direitos. Enfim, o direito à existência da própria natureza humana, orientada pela fraternidade e pela paz está associado à preservação do meio ambiente, sem o qual a vida no planeta pereceria.

Obama referendou as diretrizes papais e comprometeu os EUA com os novos objetivos, principalmente no que diz respeito a redução das desigualdades. Obama alertou igualmente para a necessidade de ajudar os países em desenvolvimento nas questões de mudanças climáticas, pois, sem ação, as pessoas mais pobres do mundo irão suportar o fardo mais pesado das mudanças climáticas, a escassez de água e de comida.

Os discursos do Papa e de Obama deixam clara a relação entre paz e fraternidade com a redução das desigualdades, notadamente a fome, que depende da produção agrícola, que por sua vez está profundamente imbricada com o uso sustentável dos recursos naturais: de um lado, a produção agropecuária precisa da Natureza, e a modifica; de outro, as agressões ao ambiente e a degradação dos recursos naturais compromete a capacidade de produção de alimentos, em particular nos países mais pobres e carentes de recursos.

No que tange à produção de alimentos, a FAO estima que a população global alcance nove bilhões em 2050, o que impõe o desafio de aumentar a produção agrícola em mais de 70% de maneira sustentável. Mantidas as tendências atuais, a distribuição espacial da produção e do consumo de alimentos será extremamente desigual. Enquanto a maior demanda estará na Ásia, que responderá por mais de 60% da classe media global na próxima década, a fonte estratégica de alimentos estará na América do Sul, com destaque para o Brasil, cuja produção deverá crescer 40% para atender a demanda estimada.

Os discursos do Papa e de Obama, associados às previsões da FAO, deixam claro o nexo entre a agricultura brasileira e a paz global. Nesse sentido, em seu discurso, a presidente Dilma Rousseff afirmou que as metas brasileiras para reduzir a emissão de gases poluentes são de 37% até 2020 e de 43% até 2025 em relação a 2005. A presidente ainda explicitou objetivos ambiciosos para o setor energético, destacando a garantia de 45% de fontes renováveis, incluindo o uso da biomassa. O Brasil também se comprometeu com: i) o fim do desmatamento ilegal no país; ii) a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares; iii) a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradas; e iv) a integração de 5 milhões de hectares de lavoura-pecuária-floresta.

Tanto Dilma quanto a FAO posicionam o Brasil como referencia global na produção agrícola e no uso sustentável dos recursos naturais, o que é positivo. Porém, ao contrário dos discursos do Papa e do Presidente Obama, que são acompanhados de medidas efetivas e consistentes para torna-los realidade (cada um na sua esfera), as promessas dos governos brasileiros têm sido um tanto vazias. Ainda que desta vez seja um compromisso sério, o simples posicionamento do Brasil não é suficiente para o Brasil contribuir significativamente para a paz e a fraternidade em escala global. São vários os desafios, entre eles a questão geopolítica. Nada indica que os principais consumidores de alimentos aceitarão passivamente a concentração de poder que o Brasil representa como fonte estratégica de alimentos. De fato, a China, maior cliente do Brasil, tem investido bilhões na busca de tecnologias agropecuárias, na reforma de sua agricultura e na criação de fontes alternativas de suprimento para alcançar a ambiciosa meta de segurança alimentar. Resta saber se o Brasil conseguirá de fato estabelecer uma parceria sólida, que lhe assegure o papel de grande produtor de alimentos e produtos agropecuários em geral.

A condição para o Brasil contribuir para a paz e fraternidade está dada e o setor privado tem respondido adequadamente, modernizando a produção, superando os gargalos de infraestrutura, inovando. Porém, é preciso avançar mais, no mínimo, iniciando um dialogo com seus vizinhos sobre produção de alimentos e uso sustentável dos recursos naturais e se comunicando adequadamente com os seus futuros principais clientes, a classe media asiática.

 

 



[1] Pesquisador da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, pedroabelvieira@gmail.com.

[2] Professor do Instituto de Economia da Unicamp, buainain@gmail.com.

[3] Pesquisadora da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, pedroabelvieira@gmail.com

[4] Chefe da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, elisio.contini@embrapa.br.

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