Patrícia Comunello
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) avalia que o País está pronto para que a União Europeia (UE) reduza as exigências para vender carne bovina impostas a produtores e frigoríficos brasileiros. Entre os itens a serem flexibilizados, estaria a dispensa de auditoria oficial de 100% das propriedades rastreadas que pleiteiam integrar a lista para exportar ao bloco, adianta Alexandre Orio Bastos, coordenador de Sistemas de Rastreabilidade do Mapa. A intenção seria lastreada pela garantia de “controles eficientes e robustos”, segundo Bastos, do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov). Nova missão de auditores da UE começou na terça-feira no País e termina dia 27. Nesta sexta-feira, dois auditores finalizam o roteiro no Estado. O coordenador aposta que não haverá problemas e também previne que a rastreabilidade obrigatória, que se cogitou na pecuária gaúcha, não seria permitida pela legislação federal em vigor.
Jornal do Comércio – Como está a adesão à rastreabilidade no País?
Alexandre Orio Bastos – O Sisbov está habilitado em nove estados e adotado por 1624 propriedades com quase 4,2 milhões de animais. Apesar da queda no número de propriedades nos últimos anos (eram 2218 em 2010), há mais mudança no perfil, com aumento de locais com confinamentos e rebanhos maiores, do que propriamente redução de animais certificados. Pelos números de carne exportada oriunda de animais certificados, grande parte não vai ao Exterior. Há espaço para suprir maior demanda de exportação.
JC – Produtores resistem em aderir ao sistema?
Bastos – Não considero que haja barreira. É a lei da oferta e da procura. Se tenho mais custos com o sistema, quero ser recompensado. Se o produtor não está tendo procura é porque não tem demanda ou não vale a pena. O comprador não quer pagar mais pela carne rastreada.
JC – No Estado, o Marfrig diz que a baixa oferta de animais rastreados ameaça seu modelo exportador, que inviabilizaria algumas plantas.
Bastos – Pode ter dificuldade momentânea, mas é uma situação que facilmente pode ser resolvida, pois há produtores e animais aí. Talvez, o que não tenha é oferta rastreada. O Estado tem hoje 139 propriedades no Sisbov, já teve mais. Pode ser uma questão de estímulo e de ter acordo prévio com os criadores, ou existem outros protocolos que remuneram melhor, como programas de raças que não exigem rastreabilidade.
JC – O governo gaúcho pretendia implantar modelo com rastreabilidade obrigatória. Como o senhor vê isso?
Bastos – O modelo proposto pelo Estado não era de rastreabilidade, mas de identificação individual por questões sanitárias. A lei brasileira estabeleceu que a rastreabilidade é fornecida por marca a fogo, Guia de Transporte Animal (GTA), nota fiscal do produtor e registro do frigorífico. Outros protocolos de adesão poderiam ser usados desde que mantivessem a adesão voluntária. Isso está bem claro na lei. Existem outras formas de controle sanitário que poderiam justificar, segundo parecer jurídico do Mapa, a identificação de todos os animais. Mas isso não é rastreabilidade obrigatória.
JC – O Estado consultou o ministério sobre isso?
Bastos – Sim, e começou por uma consulta sobre a mudança na legislação. Esclarecemos que a regulação não partiu do Mapa, mas do Congresso Nacional. Portanto, qualquer alteração teria de ser feita por meio do Legislativo. O Estado também sondou a respeito da possibilidade de identificação compulsória para controle de doenças, que indiretamente pode ser usada para rastreabilidade, pois já se tem o controle.
JC – Há muita exclusão de fazendas por erros na rastreabilidade?
Bastos – Há casos retirados, mas de forma geral não há dificuldade de manter-se na lista. Pelo acordo com a União Europeia, temos de auditar amostra de 10% das integrantes da lista trace (nome usado pelos europeus) por ano. Fora isso, a certificadora faz o monitoramento periódico a cada seis meses, e a cada 70 dias em confinamentos.
JC – É possível flexibilizar as regras da UE?
Bastos – Estamos procurando mostrar ao bloco que o nosso sistema hoje é consistente e robusto para atender às garantias exigidas, como auditar 100% das propriedades que ingressam na lista e a qualidade da carcaça, medidas acionadas a partir de 2008, após o embargo. A ideia é continuar a colocar a carne no mercado deles, mas seguindo as mesmas exigências dos demais países que exportam à região. Avançamos em certas situações. Na retomada da exportação, o serviço brasileiro auditava e considerava uma propriedade conforme, mas o relatório era submetido à UE, que poderia ou não acrescentar à lista. Até 2012, podia demorar de três a quatro meses para uma fazenda voltar a ser apta. Hoje, indicamos que está conforme e ela é imediatamente incluída.
JC – O que mais se quer mudar?
Bastos – Temos de sentir o que é melhor colocar em negociação para obtermos ganhos. Um dos pleitos é acabar com a exigência de auditar 100% das propriedades que querem ingressar na lista.
JC – A condição geral do rebanho não oferece riscos?
Bastos – A qualidade de produto que consumimos no mercado interno não precisa ter rastreabilidade individual. No caso da UE, trata-se de mercado internacional e de equivalência de legislação para não prejudicar produtores do bloco. Lá eles adotam a rastreabilidade de cada animal e, pelo princípio de equivalência, exigem o mesmo da gente. A flexibilidade pode não atingir isso, pois demandaria mudança na regra europeia. Queremos que seja aceito que uma certificadora avalize, para que não precise que uma equipe do ministério vá lá, gerando gastos e ocupando pessoal para dizer que está bom.
JC – A proposta foi apresentada aos técnicos da UE da nova missão?
Bastos – Na reunião que abriu a missão, na terça-feira, em Brasília, mostramos números do Sisbov, demos nosso diagnóstico e, ao mesmo tempo, buscamos dar nosso recado. Com gráficos, indicamos o percentual de conformidade das auditorias e mostramos argumentos para abrir brechas. Não queremos nada diferente do que se exige de outros, mas não queremos ser o único a ter tantas exigências.
JC – Como é a definição de onde a missão vai?
Bastos – Isso é muito aleatório. A cada ano, a UE adota uma orientação. Neste ano focaram estados que não iam há algum tempo – Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul. No Estado, estiveram em 2011 pela última vez. Estamos tranquilos sobre os resultados da missão. Vamos mostrar que o nosso trabalho está sendo bem feito, mas claro que, às vezes, pode aparecer algum problema pontual. Sobre as propriedades, não vemos qualquer dificuldade.
JC – O produtor é sempre a parte mais sensível na auditoria?
Bastos – Pode ter situação de risco em todos os lugares, na fazenda ou nos frigoríficos. Serão quatro propriedades vistoriadas (duas no Rio Grande do Sul, uma no Paraná e outra no Mato Grosso do Sul) e quatro frigoríficos (um no Estado, duas plantas no Mato Grosso do Sul e uma em São Paulo).
JC – Pode haver medida imediata diante de algum problema?
Bastos – Pode ocorrer alguma restrição imediata, como foi no embargo de 2007, definida após uma missão. Mas não esperamos. Questões pontuais sempre tem, como recomendações, que depois trabalhamos para corrigir. Na última missão, em 2013, foram feitas de cinco a seis recomendações, como sobre o controle do uso de identificação nas propriedades, a leitura de animais pelas certificadoras. Fizemos os esclarecimentos necessários.
JC – Como será o desfecho da atual missão?
Bastos – Do Estado, os auditores vão a São Paulo no fim de semana, depois vão ao Mato Grosso do Sul e Paraná. A reunião final acontecerá no dia 27, em Brasília. Depois, os auditores emitirão, em até 60 dias, um pré-relatório, que é enviado para nossa análise e remetemos de volta. Poderemos ter de fazer eventuais esclarecimentos. O relatório será publicado no site da Food and Veterinary Office (FVO), organismo da UE responsável pela segurança sanitária de produtos de origem animal. É um documento público.
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