Um biorreator recém-desenvolvido alimenta microrganismos com hidrogênio de moléculas de água dissociadas por catalisadores especiais conectados em um circuito com energia fotovoltaica.
Pesquisadores alegam que um sistema desses, semelhante a uma bateria, talvez possa superar métodos puramente biológicos ou puramente tecnológicos para transformar luz solar em combustíveis e outras moléculas aproveitáveis.
“Acreditamos que podemos fazer melhor que plantas”, declara Joseph Torella do Boston Consulting Group, um dos coordenadores do trabalho publicado em 9 de fevereiro de 2015 em Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
O processo começou em 2009 com os econômicos catalisadores de dissociação de água desenvolvidos pelo químico Daniel Nocera, agora na Harvard Univesity. Esses catalisadores de cobalto-fosfato usam eletricidade para produzir hidrogênio de água comum. Mas o hidrogênio não teve sucesso como combustível alternativo.
Por essa razão, quando chegou a Harvard, Nocera formou uma parceria com a bioquímica Pamela Silver da Harvard Medical School, seu então aluno de graduação Torella e outros para construir um sistema híbrido que pudesse produzir um combustível mais aproveitável.
Ao associar máquina e microrganismo, essa nova “folha biônica” assume as melhores características dos dois elementos.
A energia fotovoltaica é capaz de transformar muito mais luz solar incidente em corrente elétrica que a fotossíntese empregada por bactérias ou plantas, e os novos catalisadores podem dissociar água comum, até mesmo aquela coisa poluída e suja do rio Charles, em Boston.
Mas microrganismos, fotossintéticos ou não, são ótimos usar uma fonte de energia para transformar moléculas em [substâncias] utilizáveis, sejam alimentos, combustíveis ou mesmo fármacos.
Com isso em mente, Torella e o resto da equipe combinaram o equipamento fotovoltaico que dissocia água com Ralstonia eutropha, bactéria do solo capaz de usar o hidrogênio dissociado para promover a síntese de moléculas a partir de carbono em um recipiente.
Utilizando uma variante geneticamente modificada de R. eutropha, a equipe produziu isopropanol (C3H8O), uma molécula de álcool que pode ser usada como combustível, como gasolina ou etanol, e que pode ser facilmente isolada da água com sal.
A folha biônica pode sintetizar 216 miligramas de isopropanol por litro de água, uma eficiência que rivaliza a de uma planta de milho produzindo grãos ricos em amido a partir de luz solar.
O segredo é usar as R. eutropha especialmente modificadas e colocá-las em um recipiente vedado, cheio de líquido sem nutrientes adicionar hidrogênio e CO2 dissolvido.
Algumas poucas transferências de frasco para frasco, mais algumas agitações vigorosas somadas ao fator tempo fazem com que as bactérias R. eutropha passem do modo de crescimento normal para o modo pânico, induzindo os microrganismos a se alimentar diretamente do hidrogênio.
A colônia resultante foi colocada no recipiente com o dissociador de água e um eletrodo de aço inoxidável conectado a um painel fotovoltaico para fornecer uma corrente elétrica.
Após um hiato de alguns dias, a nova folha biônica começou a crescer, e a produzir isopropanol.
Essa não é a primeira vez que bactérias R. eutropha foram usadas para produzir combustível usando energia elétrica de origem solar, mas o novo trabalho é o primeiro a colocar esse microrganismo ímpar e o processo de dissociação de água por eletricidade na mesma câmara, em vez de separar o que é vivo do que é inerte para impedir que a química inorgânica mate a vida.
O novo trabalho também prenuncia progresso de engenharia para realizar o sonho de eletrocombustíveis, a produção de combustíveis líquidos usando eletricidade, um programa inovador executado de 2008 a 2012 como parte do programa da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada para a Energia, ou ARPA-E, que ajudou a inspirar esse trabalho.
A ideia é reverter a combustão e usar o produto residual da queima de combustível fóssil, ou seja, CO2, para desenvolver combustíveis com a mesma eficiência de plantas.
“Petróleo e gás não são fontes sustentáveis de combustível, plásticos, fertilizantes ou de uma infinidade de outras substâncias químicas produzidas com eles”, resume Torella. “A melhor opção depois de petróleo e gás é a biologia que, em números globais, produz 100 vezes mais carbono por ano por meio da fotossíntese que humanos consomem através do petróleo”.
Aprimorada, a folha biônica poderia permitir a produção de combustíveis, produtos farmacêuticos ou outras moléculas aproveitáveis onde quer que haja luz solar e CO2.
“Imagine um sistema que pode ser criado em um recipiente cheio de água para produzir substâncias químicas novas e úteis”, argumenta Silver. “Eficiência será nossa principal meta para a folha biônica”, promete.
Esse aprimoramento poderia vir em forma de bactérias R. eutropha mutantes que talvez sejam melhores para essa tarefa, ou mais tolerantes a condições adversas, e que poderiam ajudar a produzir mais combustível.
Também seria possível que um microrganismo completamente diferente pudesse desviar mais facilmente a maior parte do CO2 para moléculas úteis. Ou, inversamente, os materiais de eletrodos poderiam ser manipulados para minimizar ou eliminar os desafios que representam para os microrganismos.
O truque para otimizar o funcionamento da folha biônica é operar nas altas voltagens que ajudam as células de R. eutropha a prosperar, produzindo simultaneamente grandes quantidades de moléculas desejadas.
Mas voltagens baixas permitem uma produção extra das moléculas desejadas, com a marcante desvantagem de matar as células por meio de subprodutos tóxicos de oxigênio resultantes de reações indesejadas no eletrodo.
Oxigênio também representa desafios à vida na fotossíntese e, em última análise, isso pode significar que a folha biônica seja suplantada pela química inanimada.
“E se pegássemos esse hidrogênio e o promovêssemos termicamente a reação com monóxido de carbono ou com o próprio CO2?”, pondera o químico Andrew Bocarsly da Princeton University, que trabalhou em células eletroquímicas capazes de transformar CO2 em combustíveis.
Construir moléculas de um gás de síntese (singás) desses utilizando calor já é um processo usado na indústria, então, “como as eficiências energéticas se comparam agora? Eu não sei a resposta”, admite ele.
Independente do método que vencer, reverter a combustão poderia ajudar a resolver o problema do aquecimento global.
De fato, o produto final da folha biônica não precisa ser isopropanol, mas, em princípio, poderia ser muitas moléculas diferentes à base de carbono, inclusive, futuramente, até os hidrocarbonetos mais vulgarmente conhecidos como petróleo ou gás natural.
“O caminho que foi modificado para criar isopropanol é um que tem enorme fluxo de carbono”, observa Silver a respeito da folha biônica. “Em teoria outras moléculas de combustível podem ser feitas”.
FONTE
Scientific American Brasil
David Biello