O esforço de uma década nos Estados Unidospara rotular os alimentos com ingredientes geneticamente modificados recebeu um impulso significativo esta semana, com a entrada nas duas casas do Congresso de dois projetos de lei. É a primeira vez que uma iniciativa deste tipo é apresentada no Senado em mais de dez anos, período em que o uso de organismos geneticamente modificados aumentou de forma exponencial. Caso sejam aprovados, os Estados Unidos se unirão aos 64 países no mundo que já contam com normas e leis semelhantes.
"Os norte-americanos têm direito de saber o que contêm os alimentos que ingerem, para tomarem melhores decisões em relação às suas famílias", afirmou a senadora Bárbara Boxer, do governante Partido Democrata, após a apresentação dos dois projetos no dia 24 de abril de 2013, dos quais é defensora. Boxer também foi autora de uma proposta de característica semelhante em 2000. Na época, o projeto de lei foi uma iniciativa pessoal e não teve mais apoio. Mas a iniciativa atual já conta com apoio de nove senadores e 21 representantes, entre os quais dois do opositor Partido Republicano.
"Este projeto conta com apoio de uma ampla coalizão de grupos de consumidores, empresários, agricultores, pescadores e pais, para os quais os consumidores merecem mais, e não menos, informação sobre os alimentos que compram", destacou Boxer. Na verdade, parece que a opinião pública está esmagadoramente a favor do novo projeto, que obrigará a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA) a solicitar dos fabricantes de comestíveis que rotulem seus produtos caso contenham organismos transgênicos.
A FDA, vinculada ao Departamento de Saúde, é o principal órgão regulador dos alimentos. Segundo inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos, mais de 90% dos consultados neste país são a favor de que a FDA exija o rótulo em alimentos com ingredientes transgênicos. Contudo, durante anos, a própria FDA rejeitou pedidos semelhantes, apesar de ter autoridade legal para determinar uma mudança dessas características. Pelo contrário, a política atual continua sendo a de que os transgênicos não são "materialmente" diferentes dos alimentos sem manipulação genética.
O fundamento por trás desta postura é que os consumidores não podem sentir fisicamente a diferença entre os dois alimentos. "Lamentavelmente, a política antiquada da FDA não acompanha as mudanças tecnológicas do século 21, que permitem uma vasta variedade de mudanças genéticas e moleculares nos alimentos, que não podem ser detectados pelos sentidos humanos", diz uma declaração da senadora Boxer e do representante Peter DeFazio, que apresentou o projeto de lei na Câmara de Representantes.
Essa prova não é consistente com as três mil substâncias que a própria FDA já obriga a rotular. "A questão é que há muito tempo a FDA se dedica à política e não à ciência", disse à
IPS o diretor para assuntos governamentais do Centro para a Segurança Alimentar, Colin ONeil. "Milho que produz seu próprio inseticida, um peixe que cresce duas vezes mais rápido que o normal, ou uma maçã que não apodrece em 30 dias, sabemos que são mudanças materiais e que são alimentos novos", pontuou.
Há cerca de 15 anos, os consumidores norte-americanos comem cada vez mais transgênicos, quase sempre sem rotulagem. Vários estudos estimam que quase dois terços dos alimentos processados vendidos atualmente nos
Estados Unidos contêm grãos com modificações genéticas, em especial milho e soja.
Seu uso começou nos
Estados Unidos, mas se propagou a todo o mundo e agora os cultivos transgênicos ocupam mais de 10% das terras agrícolas. Em 2010, mais de 80% da soja era transgênica. Nos últimos anos, aumentou muito a preocupação da população com este assunto. Porém, o debate sobre a manipulação genética costumar ficar parado em discussões sobre o que a ciência concluiu, ou não, a respeito.
Devido em parte à necessidade de estudos de longo prazo e à relativa novidade da generalização de seu uso, os resultados das pesquisas apoiam tanto os partidários quanto os opositores da manipulação genética. De todo modo, os novos projetos de lei evitam completamente o debate científico, para se concentrar apenas em questões de informação pública e liberdade de escolha dos consumidores.
"O governo não rotula os alimentos perigosos, os retira do mercado", disse ONeil. Isto é, "os alimentos não precisam ser perigosos para serem rotulados", explicou. "Quando a FDA exigiu que os alimentos irradiados fossem rotulados, por exemplo, seu argumento não girava em torno das mudanças materiais dos alimentos, mas simplesmente em se os consumidores sentiam que o desconhecimento do fato os estava enganando", argumentou.
Sobre o novo projeto, ONeil disse: "É um avanço muito significativo" para o movimento a favor da rotulagem. "A indústria infundiu muito medo quando a senadora Boxer apresentou pela primeira vez (2000) seu projeto de lei, mas o diálogo mudou drasticamente desde então. Já não se trata de haver ou não rótulos, mas quando serão exigidos", concluiu.
Além do apoio público, o novo projeto de lei conta com o apoio crescente de empresas e governos estaduais. Só este ano, cerca de 50 projetos de lei em 26 Estados pediam a rotulagem de transgênicos. Mais de cem companhias já deram seu apoio público ao novo projeto de lei federal. Outras tomaram medidas semelhantes, por exemplo, a rede Whole Foods prometeu, no começo deste mês, etiquetar todos os alimentos transgênicos que oferecer até 2018.
Sindicatos de agricultores apoiam a iniciativa devido aos obstáculos que surgiram para a exportação já que os
Estados Unidos estão atrasados na matéria. Na verdade, aprovados os projetos, simplesmente será obrigatório que os produtores façam para os consumidores norte-americanos o mesmo que fazem para muitos mercados de exportação.
FONTE:
Jornal Agrosoft