Editora Globo

Carregamento de soja em navio no Porto de Paranaguá (PR)
Queda de preços de commodities deve ser compensada pela desvalorização do real e pela demanda gerada com a recuperação nos EUA e na Europa

O dólar vai patrocinar mais uma boa temporada para o agronegócio brasileiro em 2014. Mais exatamente a relação do dólar com o real. A recuperação da moeda americana perante as divisas dos países emergentes, fenômeno que ganhou força em meados deste ano, tem pelo menos um efeito muito positivo para o produtor brasileiro de carnes e grãos: compensar a queda de preços internacionais das principais commodities. A injeção de ânimo será complementada por dois fatores importantes: a manutenção da demanda chinesa, em especial pela soja, e a lenta mas persistente recuperação das maiores economias, sobretudo Estados Unidos e Europa.

“O ano que vem já foi salvo pelo câmbio”, antecipa o agrônomo, doutor em economia e consultor Alexandre Mendonça de Barros, sócio da MB Agro. Para ele, o cenário é de acomodação dos preços internacionais após a alta de 2012, já que a oferta está voltando para níveis considerados normais. Nesse contexto, com preços menores em dólar, o produtor brasileiro sentirá menos o impacto da queda ao receber mais em reais. No início de outubro, o consultor previa uma cotação algo como 15% acima do patamar em que se encontrava no início do ano. “Essa cotação, em torno de R$ 2,30 por dólar ou mais, com um piso de R$ 2,25, veio para ficar.”

“O cenário para o produtor brasileiro é muito favorável, porque o câmbio mais alto vai compensar o aumento dos custos em dólar e a queda dos preços internacionais”, referenda Marcos Rubin, sócio analista da Agroconsult. Rubin acredita que o câmbio vai proporcionar mais um ano de fôlego para o produtor continuar investindo. Ele prevê que a produção de carnes vai se favorecer ainda mais dessa situação, porque a alta vai ocorrer em apenas parte dos custos – a que depende do dólar. O preço dos cereais e oleaginosas no mercado doméstico deve baixar e melhorar o desempenho do setor. “Vai haver e já está havendo uma melhora nas relações de troca”.

Sem perspectivas de explosão na demanda, a queda nos preços globais dos grãos é uma realidade cada vez mais palpável. Projeções feitas pela Agroconsult indicam que a lucratividade da soja em Mato Grosso vai cair de R$ 1 mil por hectare este ano para R$ 930 por hectare na próxima colheita. O milho, que nas contas da consultoria teve excelentes R$ 700 de lucro por hectare em 2012 e recuou para R$ 250 por conta da megassafra de inverno, deve operar apenas em equilíbrio no ano que vem, diz Rubin.

Mesmo assim, a possível redução nos preços dos grãos e das carnes pode se combinar à recuperação da economia americana e reativar o consumo, diz Mendonça de Barros. Isso abriria perspectivas reais de aumento das exportações brasileiras.


COMPENSAÇÃO CAMBIAL

Um fator positivo que pode impactar os custos foi o fim do maior cartel de fertilizantes do mundo, com o rompimento entre as empresas Uralkali, russa, e Beloruskali, da Bielorrússia, no início de agosto. As previsões de analistas internacionais são de que os preços dos fertilizantes podem baixar até 25% daqui para o próximo ano, compensando amplamente o aumento do dólar. Isso, porém, não representa nenhuma garantia, já que os russos podem se reorganizar em novos cartéis a qualquer momento, pondera Mendonça de Barros.

Quem também considera que as mudanças cambiais vão proporcionar fôlego extra é Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócios da Escola de Economia e Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, o ciclo favorável ao produtor brasileiro “já está durando mais que o normal”, considerando-se que, pelo ciclo natural da atividade, raramente um período que combine boas safras com bons preços dura mais que três temporadas. E o Brasil já está entrando no quarto ano muito positivo. Um fator que tende a fortalecer essa tendência é o clima. As previsões iniciais para as safras indicam mais um período de ajuda dos céus – pelo menos para o Brasil. As previsões do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) disponíveis até meados de setembro apontavam que a safra americana de grãos não atingiria seu pleno potencial – embora ainda não fosse possível medir a quebra.

O plantio atrasou e o clima não foi favorável, principalmente por conta da estiagem prolongada a partir do terceiro trimestre. Para o Brasil, ao contrário, as previsões meteorológicas de longo prazo sustentam que a safra 2013/2014 será plantada e colhida em “condições normais”, ou seja, sem influência dos fenômenos El Niño ou La Niña. Portanto, há grande possibilidade de que o regime de chuvas seja regular e favorável e que não haja contratempos significativos para a lavoura. “Espera-se um ano neutro, com menos oscilações climáticas e uma produção mais segura”, avalia Mendonça de Barros.

Alguns setores, porém, não devem se favorecer desse cenário. “Não vejo recuperação no mercado de café, que tem um forte componente especulativo, que ocorre no momento, e os preços devem continuar em baixa”, analisa Roberto Rodrigues. “Cana-de-açúcar, na expectativa de políticas públicas, e laranja também não vão bem”.

A cadeia da cana vai depender do que o governo vai fazer com a gasolina, diz Mendonça de Barros. A falta de correção no preço do combustível tira o espaço para reajuste nos preços do álcool.

“Com o aumento do patamar do câmbio, a situação para a Petrobras fica praticamente insustentável”, afirma o consultor da MB Agro. “Se houver reajuste, o setor vai ter um alívio, mas essa é uma decisão complexa, que afeta a inflação e que depende do comportamento do câmbio e dos juros”.

O cenário favorável acende a luz de alerta para a questão que tem atormentado os produtores nos últimos anos: a logística. Uma safra recorde implicará novos desafios para a distribuição, diz Mendonça de Barros.

“Falta aproveitar esse momento favorável para estabelecer políticas públicas triviais, como seguro rural, hoje muito incipiente”, reclama Roberto Rodrigues. “Falta uma política articulada”.

Fonte

Revista Globo Rural

Exibições: 18

© 2024   Criado por Soc. Mineira de Eng. Agrônomos.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço