Modelo do sistema produtivo ajuda na tomada de decisão do produtor rural

Comparando o segundo trimestre de 2013 com o primeiro, o PIB Agropecuário cresceu 3,9% enquanto a Indústria, puxada pela Construção Civil, cresceu 2% e Serviços praticamente estagnou em 0,8%.

Mas enquanto a Agropecuária se distancia de outros setores da economia em termos geração de valor sobre sua produção, a gestão da atividade ainda patina para se modernizar e fazer uso de ferramentas de administração do negócio, como já fazem com mais naturalidade Indústria e Serviços de forma geral.

A linha de pesquisa da médica veterinária, doutora em zootecnia e pós-doutoranda em administração Soraya Tanure tem o objetivo de diminuir as distâncias nos processos de gestão entre a produção agropecuária e os demais setores da economia e, por consequência, aumentar ainda mais a geração de riqueza do setor, aproveitando a vocação natural que o Brasil tem para a produção em escala.

Partindo desta necessidade, Tanure desenvolveu durante seu doutorado na UFRGS um modelo de dinâmica de sistemas que, aplicado à realidade do campo, dá suporte à decisão do produtor rural com base em histórico de dados, como custo de produção total e por área, taxa de desmame e preços das diferentes categorias de animais e de grãos. Com esses dados em mãos e sua respectiva aplicação ao modelo de Tanure, o gestor rural consegue extrair três tipos de análises: de risco, de sustentabilidade ambiental e econômica.

Veja, abaixo, a entrevista que Soraya Tanure concedeu à Rural Centro, em que explica sua tese e como ela será aplicada na gestão de propriedades rurais.

Rural Centro: Qual é a sua visão sobre o agronegócio brasileiro?
Soraya Tanure

Soraya Tanure: Eu acredito muito na produção em escala. O Brasil é produtor de commoditie. Tem que se orgulhar disso. Também está longe de produzir marcas. Eu te confesso que acho que a gente não tem essa vocação para produzir marca. Acho que a gente produz commoditie, em escala, e produz muito bem. Então a ideia é continuar explorando isso.

RC: Como as ferramentas de gestão se encaixarão na agropecuária?
ST
: A atividade vai chegar a um ponto de estrangulamento e os gargalos serão a utilização de ferramentas de controle mais precisas. Na própria área da pesquisa, cada vez mais editais têm sido abertos nas áreas de agricultura e pecuária de precisão. Os pesquisadores desenvolverão novas tecnologias visando sua aplicabilidade direta no campo. Haverá necessidade de diminuição de custo e do ciclo produtivo, enfim, uma agropecuária cada vez mais precisa. Isso passa, necessariamente pela utilização dessasferramentas de gestão.

RC: Você enxerga esse estrangulamento com naturalidade?
ST
: Sim, porque isso acontece tradicionalmente em empresas que começam a se profissionalizar. O agronegócio será uma atividade cada vez mais profissional. Funciona assim para todos os outros setores, então por que não adaptar e aplicar essa realidade ao campo?

RC: Quais práticas de gestão rural devem ser melhoradas?
ST
: A busca pelo conhecimento é o principal ponto. Isso infelizmente a gente não tem visto com muita frequência. Quando as pessoas se profissionalizam, elas retornam ao campo e se deparam com um gestor um pouco mais antigo, que tem como característica de liderança uma dificuldade muito grande de aceitar novas ideias. Todo esse profissionalismo e esse conhecimento que ela trouxe de uma universidade ou de outros cursos acabam sucumbindo a essa liderança.

RC: Nesse momento é mais importante conhecer a técnica de produção ou a administração do negócio?
ST
: Talvez mais do que o conhecimento técnico, que já é bem desenvolvido, há necessidade de se buscar conhecimento de administração do negócio e do sistema de produção, verificar que tu está inserido em um mercado regional, nacional e, posteriormente, internacional.

RC: A partir desse avanço em gestão, como melhorar a produtividade?
ST
: É fundamental ter históricos de dados. Hoje eu vejo isso como uma dificuldade. Em geral, o histórico do regime de chuvas é bem utilizado porque o produtor tem hábito de mensurar a precipitação. Mas, por exemplo, qual o custo de um animal por hectare, qual o custo de alimentação, sanidade e melhoramento genético? Para isso tudo, obviamente, o produtor possui um conhecimento empírico, mas a dificuldade é colocar no papel. Esse mapeamento dos custos de produção é fundamental.

RC: Que tipo de decisão o produtor consegue tomar a partir desse mapeamento?
ST
: Ele consegue verificar em que momento ele está no mercado e o que é melhor fazer. Por exemplo, no momento em que o preço do terneiro está alto ele pode vendê-lo ao invés de levá-lo até o abate. Se ele verificar que o valor da arroba do boi gordo não estava muito significativo e ele tinha possibilidade de levar seus animais no cocho, uma vez que o preço do farelo não estava tão alto, ele também pode aproveitar. Quer dizer, com os números em mãos, o produtor consegue modificar todo o cenário e diversificar o tipo de negócio que ele faz ao longo do ano.

RC: Esse modelo de gestão (ver fluxograma abaixo) permite mais do que decisões mercadológicas?
ST
: Sim. Ainda usando a pecuária como exemplo, ele pode perceber que em determinado momento vale a pena substituir o consumo de proteína pelo consumo de energia, se vale a pena investir em uma pastagem de inverno ou simplesmente fazer melhoramento de campo natural. Essas decisões “de fábrica” também são colocadas à prova no modelo.

Dinâmica de sistema modelo
Modelo é capaz de representar inúmeros aspectos do sistema de produção com o objetivo de ajudar os produtores rurais a entendê-lo e leva em consideração submodelos meteorológico, de pastagem, animal, integração lavoura-pecuáira, lavoura, solo, pastagem-animal e pastagem-solo. Imagem: extraída e traduzida de Tanure et. al (2013). Clique no fluxograma para ampliar.

RC: Como você projeta a nova geração de gestores em relação a ferramentas de administração mais avançadas?
ST
: Há dez, quinze anos eu não via gente mais nova, de 17, 18 anos, pensando em retornar ao campo. Hoje já tem casos de sucesso de pessoas retornando e conseguindo ter uma convivência com seus pais um pouco mais pacífica. Também tenho a sensação de que os gestores mais velhos, sejam pais ou administradores, estão concebendo melhor as ideias de gestores mais novos. Não que seja algo corriqueiro, mas está mais natural, como em outros setores.

RC: Além dessa recepção “mais calorosa” dos gestores atuais, quais os outros fatores de retorno ao campo?
ST
: O mercado de trabalho acabou empurrando muitas pessoas de volta para o campo. Outro fator é a questão da herança. No Rio Grande do Sul, 70% das terras são herdadas. A gente imagina que esse número seja ainda maior porque o último censo foi um pouco viciado, então até 80% das propriedades devem ter sido herdadas. Essa realidade é um pouco similar a do Brasil como um todo, tirando a região do Brasil Central e um pouco no Sudeste, onde a gente vê muitos investidores em MS, MT e SP. Então a morte dos patriarcas acabou levando muita gente de volta às suas origens.

RC: Os jovens que querem se candidatar a essas vagas de gestores precisam ter uma formação específica?
ST
: Na verdade, a maior necessidade é a incorporação de novas tecnologias, o que não vem somente de um curso, mas de uma característica do jovem, que tem naturalmente espírito empreendedor e inovador. A nova geração já traz isso, independente do curso que fez. Mas quem tem formação em outra área de conhecimento e retorna ao campo, neste caso é mais importante conhecer o negócio na questão técnica porque falta para essa pessoa um conhecimento do agronegócio de forma específica, o contrário do que comentávamos anteriormente (quinta pergunta).

RC: Você aposta na nova geração de gestores à frente do agronegócio do futuro?
ST
: Aposto. A gente vai ter um limite de crescimento para a indústria e serviços e o agronegócio vai gerar um PIB ainda maior. Eu sou otimista em relação ao agro no futuro, mas também vejo necessidade de mudança no gerenciamento dos sistemas de produção, na adaptação à realidade de cada região e de conhecimento de mercado. A mudança vai ter que ocorrer pela necessidade de sobrevivência e de sucesso do negócio. Se essa mudança não quebrar paradigmas de coisas já muito antigas - sistemas e práticas muito ultrapassados -, obviamente o produtor estará fadado ao fracasso e vai vender suas terras ao seu vizinho.

Fonte

Rural Centro

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